terça-feira, 5 de março de 2013

A ARTE DO CHOURIÇO BRAGANTINO


Bragança/PA é uma cidade mais antiga que a capital Belém. Este ano, comemora quatrocentos anos. A THE NINE tem uma ligação especial com essa cidade porque de lá veio nosso sócio-cozinheiro – Thyago Costa – mas, principalmente, porque de lá veio nosso grande inspirador e mestre: chef Ofir Oliveira.
Chef conta que sua ligação com a culinária veio dessa terra mítica que é a Bragança de sua infância. De ver sua mãe cozinhar, de ter, ao lado de seu irmão – Ari – iniciado a vida de cozinheiro num ambiente farto em iguarias, ecossistemas e história, no qual sua sensibilidade como mestre das artes culinárias pode brotar.
Em Bragança/PA destaca-se uma religiosidade muito forte, associada a São Benedito que, coincidência ou não, é o padroeiro das cozinhas, por seus milagres de multiplicação de alimentos.

A festividade de São Benedito alimenta a fé bragantina.

Além desta conexão mística com a comida, Bragança tem outros laços mais materiais com a Gastronomia. Porto importante da região do salgado (costa atlântica paraense), foi em Bragança que, até a década de 1940 e desde sua fundação, concentraram-se os mantimentos que abasteciam os vastos territórios amazônicos que iam até o longínquo Acre.
Servindo de conexão entre a costa atlântica do Amapá, das Guianas, do Suriname, os campos férteis e altamente produtivos e os territórios internos da Amazônia, de Bragança saíam e a ela retornavam os barcos pesqueiros, que faziam encontrar sua preciosa carga com a produção agrícola do nordeste paraense.
Dali saíam regatões – barcos merceeiros – que singravam toda a costa e os grandes rios amazônicos, abastecendo as comunidades, os exércitos de soldados da borracha. Nos salões de carga: farinha, carne de porco, mandioca, peixes e uma série imensa de artigos culinários.
Esse contexto todo deu ao povo bragantino especializações na produção destes itens que permitiram o surgimento de iguarias únicas. Caso exemplar disso é a farinha, reconhecida como uma das melhores do Brasil.
Mas, aqui, neste post, vamos abordar mais especificamente outro produto: o chouriço bragantino.
Chouriço é um embutido de sabor forte, baseado em carne de porco, revestido por tripas que, temperado abundantemente, tem suas origens em Bragança na colonização européia, de espanhóis sobretudo, que, tendo trazido espécimes de porcos da Ibéria, implantaram a tradição do chouriço na região.
Estes porcos, em Bragança, podem ser de uma espécie delgada, com focinho longo, negro, cuja criação semi selvagem, soltos nos bosques e matas e recapturados quando da época do abate, possibilitam uma alimentação variada e natural, muito farta em frutas, capazes de flavorizar e texturizar sua carne de uma maneira única que repercute, mais adiante, no sabor do chouriço de Bragança.
O processo de fabricação do chouriço bragantino, partindo desta carne nobilíssima, tem sido aperfeiçoado ao estado de arte. Sua coloração única, perceptível quando partido com uma faca, é obtida a partir da adição de urucum, com seu vermelho característico.
Poucos são os lugares no Brasil em que a produção de chouriço mantém-se. O distanciamento de nossas origens ibéricas e a adoção de outras matrizes culturais nos tem levado a aderir a outros embutidos como salsichas ou lingüiças diversas. Muitos tem preconceito com este ingrediente pelo uso, em algumas variações, do sangue animal em sua composição, o que não acontece com o produto bragantino.
Chef Ofir Oliveira conta que a especialidade do chouriço bragantino é dada pelo pré-cozimento ao qual é submetido, na brasa, em técnica análoga ao uso indígena do Moquém. Mas as características únicas do produto também são influenciadas pela seleção dos cortes suínos que o compõem, da moagem da carne, do tempo de curtição... é uma arte.
Quando Thyago Costa veio encorpar as fileiras da THE NINE como sócio, ouvi de uma segunda boca (a primeira foi de chef Ofir) a mesma resposta a sempre pergunta nossa de “o que você acha que vira sanduíche?”: Chouriço, de Bragança, claro!!!
Taí no cardápio já. Experimentaram?