sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Dia II: The magic!!!


O segundo dia de feitio de arubé é o dia da “magia”. Chef Ofir e Thyago terminam a separação dos sólidos e líquidos da Mandioca. A esta altura, após muitas horas de descanso, uma densa camada de tapioca foi depositada nos fundos dos reservatórios e o líquido já está amarelamente puro.
A obtenção do arubé é um processo de redução, o que, na culinária, quer dizer extração da água por fervura. Este processo diminui o volume do produto e aumenta a densidade. Por isso, também, arubé não é tucupi. Diferentemente do famoso ingrediente, o arubé é uma espécie de pasta, o que deixa ele perfeito para adornar os sanduíches THE NINE.

O Arubé em redução...

As pesquisas de chef Ofir mostram que o uso indígena para o arubé não apenas era culinário, mas também utilitário, pois servia para preservar as carnes das caças que, ao longo das caçadas, debilitavam-se e morriam. Diferentemente do que se pode pensar, nas jornadas longas (muitas vezes semanas) de busca por alimentos, os indígenas preferencialmente  aprisionam as caças, visando mantê-las por mais tempo. Ocasionalmente, alguns espécimes morrem. Antes de morrer na memória indígena, era nesse momento que o arubé entrava em ação, recebendo essas carnes e prolongando sua validade.
Nas andanças pelo Sabor Selvagem, certa vez, no rio Xingu, um cacique Arara muito antigo me disse que sua mãe e sua avó faziam Arubé. Lembrou também que não utilizavam alho no feitio, como o nosso, mas confirmou as pesquisas de chef Ofir. Ficamos muito felizes com isso.
De volta à cozinha: o precioso líquido vai para o caldeirão. Lá, ele vai enfrentar muitas e muitas e mais muitas horas de fervura, brigando com o fogo para manter-se, ganhando e perdendo, sofrendo a intervenção experiente de chef Ofir, que o reconstitui com massa, o dilui, dá liga e retira, conforme sua cabeça e seu paladar vão ditando. Imagino a perturbação do Thyago para tentar racionalizar o processo com um quê de xamânico que é a cozinha para o mestre Ofir. Négocio difícil esse o dele, mas as recompensas são as maiores: gente do mundo inteiro vem para conhecer o velhinho.
Chef Ofir trabalha misticamente suas criações, preferencialmente na lua nova, que, como diz, dá luz aos melhores pratos e, sempre, rogando a São Benedito, do qual é devoto, a cidade de Bragança/PA (onde o mestre se radicou) é apadrinhada, assim como a classe dos cozinheiros. Coisa comum assistindo-o cozinhar é ouvir as ladainhas, pedidos de ajuda e até mesmo as brincadeiras que o chef, íntimo do santo, tira com o negro.

O santinho negro de chef Ofir

As longas horas que se passam adentram, invariavelmente a noite e, após o purgatório da mandioca, ela renasce como arubé, constituída em pasta saborosíssima que, apenas nos últimos minutos de preparo recebem as especiarias pra deixar o gosto azedo e abraçar o universo das ervas amazônicas que chef Ofir domina como nenhum outro.
No terceiro dia já, os garrafões de arubé estão na The Nine. A noite é chuvosa, e os clientes já apareceram.

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