O segundo dia de feitio de arubé é o dia da “magia”. Chef
Ofir e Thyago terminam a separação dos sólidos e líquidos da Mandioca. A esta
altura, após muitas horas de descanso, uma densa camada de tapioca foi
depositada nos fundos dos reservatórios e o líquido já está amarelamente puro.
A obtenção do arubé é um processo de redução, o que, na
culinária, quer dizer extração da água por fervura. Este processo diminui o
volume do produto e aumenta a densidade. Por isso, também, arubé não é tucupi.
Diferentemente do famoso ingrediente, o arubé é uma espécie de pasta, o que
deixa ele perfeito para adornar os sanduíches THE NINE.
O Arubé em redução...
As pesquisas de chef Ofir mostram que o uso indígena para o arubé
não apenas era culinário, mas também utilitário, pois servia para preservar as
carnes das caças que, ao longo das caçadas, debilitavam-se e morriam. Diferentemente
do que se pode pensar, nas jornadas longas (muitas vezes semanas) de busca por
alimentos, os indígenas preferencialmente aprisionam as caças, visando mantê-las por
mais tempo. Ocasionalmente, alguns espécimes morrem. Antes de morrer na memória
indígena, era nesse momento que o arubé entrava em ação, recebendo essas carnes
e prolongando sua validade.
Nas andanças pelo Sabor Selvagem, certa vez, no rio Xingu,
um cacique Arara muito antigo me disse que sua mãe e sua avó faziam Arubé. Lembrou
também que não utilizavam alho no feitio, como o nosso, mas confirmou as
pesquisas de chef Ofir. Ficamos muito felizes com isso.
De volta à cozinha: o precioso líquido vai para o caldeirão.
Lá, ele vai enfrentar muitas e muitas e mais muitas horas de fervura, brigando
com o fogo para manter-se, ganhando e perdendo, sofrendo a intervenção
experiente de chef Ofir, que o reconstitui com massa, o dilui, dá liga e
retira, conforme sua cabeça e seu paladar vão ditando. Imagino a perturbação do
Thyago para tentar racionalizar o processo com um quê de xamânico que é a
cozinha para o mestre Ofir. Négocio difícil esse o dele, mas as recompensas são
as maiores: gente do mundo inteiro vem para conhecer o velhinho.
Chef Ofir trabalha misticamente suas criações, preferencialmente
na lua nova, que, como diz, dá luz aos melhores pratos e, sempre, rogando a São
Benedito, do qual é devoto, a cidade de Bragança/PA (onde o mestre se radicou) é
apadrinhada, assim como a classe dos cozinheiros. Coisa comum assistindo-o
cozinhar é ouvir as ladainhas, pedidos de ajuda e até mesmo as brincadeiras que
o chef, íntimo do santo, tira com o negro.
O santinho negro de chef Ofir
As longas horas que se passam adentram, invariavelmente a
noite e, após o purgatório da mandioca, ela renasce como arubé, constituída em
pasta saborosíssima que, apenas nos últimos minutos de preparo recebem as
especiarias pra deixar o gosto azedo e abraçar o universo das ervas amazônicas
que chef Ofir domina como nenhum outro.
No terceiro dia já, os garrafões de arubé estão na The Nine.
A noite é chuvosa, e os clientes já apareceram.
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