A última semana foi longa e
produtiva. Às vésperas do primeiro ano de funcionamento da The Nine, a agenda
marcava uma programação que, quando começa, nunca sabemos ao certo quando vai
acabar: feitio de arubé na cozinha de chef Ofir Oliveira.
Chef Ofir Oliveira: místico, sempre
trabalha sob os auspícios de São Benedito
Desta vez, no entanto, o feitio
foi acompanhado pelo nosso novo sócio Thyago Costa, que, cozinheiro nato e de
profissão, acabou de ser alçado por chef Ofir ao status de aprendiz. Thyago é o
novo responsável por nossa cozinha e, inclusive, as novidades do cardápio 2013
já vieram da cuca dele. Convido-os a conferir, inclusive:
Chef Ofir é um mestre da
culinária empírica. Com ele não tem balança, termômetro, relógio. O tempo,
temperatura e dosagens de suas receitas é definido por sua intuição e isso o
transforma em um fornecedor, digamos, sensível para uma empresa. Mas a The Nine
optou por oferecer aos seus clientes os melhores sabores e, em se tratando
disso, ele é o cara.
O arubé é um molho cuja aplicação
culinária tem sido promovida por chef Ofir desde há vinte anos, época em que
ele reconstituiu o produto a partir de suas pesquisas em culinária amazônica. Desde
então, parte significativa de seu trabalho tem sido divulgar esse molho do qual
se diz que ocupa, na culinária amazônica, papel semelhante ao da mostarda. Ressalto
aqui que é uma analogia tão somente possível pelo sabor e aspecto assemelhados
de ambos: arubé não é mostarda... mostarda não é arubé, e ponto.
O processo de obtenção do arubé é
uma prática ancestral dos indígenas amazônicos. Do tipiti onde a mandioca é
prensada, “sangra” o líquido precioso e mortal que, trinta ou mais horas
depois, vai poder estar nos sanduíches da The Nine.
Aqui já começam as complicações.
À despeito de possuir uma mecânica muito simples, manuseá-lo com segurança é
uma arte técnica. Daí surgem os fabulosos braços direitos de chef Ofir e palmas
para o Baixinho, maranhense de 1,50 de altura, cerca de quarenta anos, uma
penca de filhos e netos e fundador do Sabor Selvagem, quando a organização
ainda era uma associação de bairro que lutava pela conservação das matas do
Canarinho, nas cabeceiras do Paracuri que ficam na Augusto Montenegro.
O perguntador incauto argumenta:
porque não adquirir o tucupi então, que já vem prensadinho, engarrafado, chuchu
beleza? Várias razões: arubé também não é tucupi e, diferentemente deste, na
sua obtenção, não há adição de água, o único líquido que o arubé admite em seu
preparo é a própria água que a mandioca trás consigo e dessa diferença inicial são
estabelecidas as características ímpares dos dois produtos.
Outra razão é o controle da
qualidade do produto. Embora haja tucupis de muito boa qualidade, preferimos
dominar a cadeia completa de nossos produtos, e, a cada etapa, aproveitar para
aprender um pouco mais.
O outro motivo é que, trabalhando
a partir da massa da mandioca bruta (essa sim, nos permitimos comprar cevada
já, ou seja, triturada, no Ver-o-peso) levamos de lambuja a massa da mandioca
e, com a segunda prensagem (esta com adição de água), o tucupi. O tucupi vai
como ingrediente em outro produto The Nine que veio dos caldeirões de chef
Ofir, o molho de caça-falsa (que deve ganhar postagem própria logo logo).
A massa (que nas casas de farinha
vira farinha), com chef Ofir, vira um espessante que homogeneíza o arubé e, a
partir de algumas experiências que ele tem feito, logo deve virar um
flavorizante natural, produto que substituiria o pó de fumaça, muito utilizado
para dar gosto de defumado às receitas, mas que é uma bomba de química
industrial concentrada.
Massa da mandioca, já seca, após a
prensagem no tipiti
Na verdade, a grande vantagem da
maneira de chef Ofir fazer as coisas é que, exatamente pela falta de roteiro ou
fórmulas as revelações culinárias acabam surgindo, sempre de uma maneira
surpreendente. Descobertas e insights
que chef Ofir tem nessas jornadas, às vezes, viram iguarias deliciosas no
futuro.
Os primeiros dias de feitio do
arubé, que começam, invariavelmente, cedinho, no Ver-o-peso, Barraca do
Trindade, acabam com a mandioca prensada, massa para um lado, suco para o
outro, devidamente envasado para descansar. Quando ele sair do descanso, terá
fornecido a tapioca (que também vira espessante na cozinha de chef Ofir) e terá
fermentado. Quando isso acontecer, já será o segundo dia, e um novo post.
Arubé: líquido extraído da mandioca e
acondicionado para fermentação
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